O tempo arranca cada fragmento de sanidade da alma, cada vez que por aqui passa.

domingo, 4 de abril de 2010

Deixa o mendigo passar na rua

Deixa o mendigo passar na rua, perdido, esfomeado. Mendigo morto de saudades, coberto de orgulho, enganado na rua... deixa o passar, deixa-o olhar para mim, deixa o ver-me. Segundo a segundo, em cada passo, trava uma luta constante por se manter de pé. E lá ele passa... cambaleando na rua, com uma garrafa vazia na mão.
Hoje não me importa aquilo que ele pensa, não me importa se vier falar comigo e julgar-me. Não quero saber de ele me quiser culpar. Que ele me atire com pedras, tenho a certeza que não me acertará...
Hoje não me importa o que ele pensa. Quero aproveitar cada momento, quero sentir a chuva tocar-me ao leve na face, acordar na madrugada e correr para sentir o vento. Quero ver as minhas roupas voarem como lençóis e abraçar-me a alguém. Quero que o tempo pare e que aquele momento me pertença até não querer mais. Gostava que as palavras saíssem fluentemente dos meus lábios e de falar contigo sobre as estrelas que hoje o céu não tem, mas isso também não me importa. Não me importa se o céu não tem estrelas, não me importa se está frio, se perdi as chaves de casa ou se não conheço o caminho para voltar. Quero descalçar as sapatilhas e sentir a chuva nos pés, não me importa se me ferir ou acordar doente no dia seguinte! Hoje quero pedir ao tempo que pare, sei que amanha me posso arrepender ou até desiludir... mas aquilo que acontecer hoje só a mim pertence e nunca ninguém vai voltar atrás e apagar o quanto me senti feliz e o quanto pedi ao tempo para parar ou andar mais devagar.
E quanto ao mendigo, que ele passe na rua e me olhe se esgueira, que me difame, que me atire com pedras ou com a garrafa vazia. Que ele me agarre o braço ou arranque os cabelos, porque eu vou larga-lo e mandar-lo embora como nunca fiz antes. Hoje quero-te a ti, por isso deixa o passar mesmo que ele chame por mim, que me olhe nos olhos e me lembre que o conheço melhor que ninguém.